Quando a noite cai: Medos Ácidos - Sessão 33 [Vampiro a máscara 5ª edição]


Quando a noite cai: Medos Ácidos - Sessão 33

(19/11/2023 domingo)

A noite caiu.

Ester já havia saído de casa uma hora antes do por do sol. Pegou um ônibus apenas, dava sorte, não precisava de muito para chegar ao trabalho. A anos trabalhava à noite, mesmo que seu corpo e seus dois filhos lhe dissessem para parar. Ela até queria deixar tudo de lado, mas algumas coisas não permitiam que fizesse. O salário era bom e permitia que seus filhos estudassem, ela apenas limpava e não precisava ser vítima, nem dos olhares nem dos medos da noite. Ninguém a incomodava no trabalho, ele era invisível aos frequentadores da casa noturna onde trabalhava. As meninas mais novas não se importavam com ela, tirando Lívia, que sempre a presenteava com flores e fazia questão de arrumar seus cabelos. Os rapazes não a olhavam com desejo, ela estava ficando velha e feia, ela sabia, mas Fernando sempre sorria e era carinhoso. Ela jamais se atrasava para o serviço. Ela não podia. Seus patrões eram severos, e, apesar do rosto amistoso, ela sabia que o senhor Luiz Pareto não a perdoaria caso se atrasasse e deixasse de limpar os banheiros, cozinha, pistas de dança. O salário era bom, as pessoas não a perturbavam, o medo era constante. Ela trabalhava na boate Bloodlust e aquela era mais uma noite de serviço.

A cabeça dos membros da Sentinela Escarlate estava entre o problema com a gangue de possíveis vampiros de sangue fraco que atormentavam Taguatinga, a caça de sangue à Isabel e os problemas da Bloodlust, além das preocupações particulares de cada, como a transferência humilhante de campo de caça de Cavalcante, as tramoias sociais de Catarina, as dualidades sanguíneas da política Tremere de Urt, as preocupações de Torrado, as aparições sombrias de Pastor Israel e, principalmente, a Fome eterna, constante e agoniante.

A mesa de reunião estava com um desconcertante arranjo de flores de plástico. O olhar perfeccionista de Eli Urt buscava as imperfeições que o incomodariam, arrumando milímetros as folhas, o vaso, o ângulo das sombras.

Torrado Martins não estava à mesa, em sua mente pairavam tanto a necessidade da confirmação de Cipriano quanto os jovens sangue fraco, e olhar as cenas dos roubos que Pareto havia trazido, era algo que poderia ser feito sem atrapalhar suas atribuições junto à Vehme.

Pastor Israel havia mandado uma mensagem segundo a qual estava prestes a retornar às atividades, trazendo informações, novos problemas e, com sorte, possíveis soluções.

E dentro das atribuições, começaram a noite com as conversas sobre os pequenos rituais que Margot havia solicitado. Subiram para o nível da boate, e assim que passaram pela porta secreta que levava ao mundo exterior, ouviram um agudo e desesperado grito de angústia vindo de dentro da Bloodlust.

Correram.


Ao chegarem na sala do primeiro bar, que dava à pista de dança principal, viram Ester, uma senhora que trabalhava para eles por vários anos, com a face de terror, com a boca aberta, os olhos vidrados, o braço estendido com dedo em riste, apontando para a pista de dança.

Nenhum dos membros da Vehme conseguia ver nada anormal.

Catarina canalizou seu sangue procurando ressonâncias além dos espectros visíveis, mas mesmo assim nada conseguiu, a não ser a amargura de saber que aquele tipo de coisa poderia atrapalhar os negócios e piorar ainda mais a situação da boate.

Dona Ester encontrava-se catatônica.

Não tardou e outros funcionários da casa chegaram ao lugar, assombrados com o grito da mulher e preocupados com o que poderia acontecer.

Os vampiros e os funcionários levaram Ester para os bastidores da casa, para a cozinha.

Eli Urt analisa a experiente funcionária, avalia sua condição física e mental, tenta entender o que a fez ficar daquele jeito. Após sua avaliação médica, não viu outra forma de aprimorar o entendimento do que averiguar o composto mais importante, o sangue. Iria estudar o sangue dela, sentir o sabor, procurar através de suas características intrínsecas das ressonâncias e quando o  líquido viscoso começou a ser consumido e penetrar nas células amaldiçoadas do Tremere, o desespero e a agonia de Ester tomou de assalto o mago. Sua mente ficou nublada com a escuridão do abismo.

Dona Ester recuperou a consciência, mesmo que ainda abalada, chorosa e com um desespero que quase a impedia de falar. A catatonia agora pertencia ao Tremere. Que lutava em seu subconsciente vampírico com aquela escuridão da alma.

Enquanto Ester abraçava e chorava copiosamente nos braços de Catarina, José Cavalcante tentava tirar da mulher a informação do que havia acontecido para deixá-la naquele estado.

Dona Ester então, entre choro, engasgos e o medo da lembrança, descreveu que havia visto algo muito mais horrendo e assustador que o próprio Torrado Martins. Que a coisa estava na pista de dança e que tentava sair, mas que não conseguia e então seus braços se esticaram e esticaram até que tocaram e ela sentiu sua alma ser invadida e seus pecados virem à tona, e sua existência se esvair.

Quando Eli Urt voltou à consciência o assombro fazia parte de seus olhos ensanguentados. Ele tocou o mesmo medo que a mulher havia tocado. Mesmo com seu coração morto e sua alma amaldiçoada, aquilo o afetou. Ele havia visto o abismo.

Cavalcante mandou que Luiz Pareto levasse embora dona Ester, que a dispensasse naquela noite, que arranjasse outra pessoa que pudesse fazer o trabalho, para a boate não ficar desfalcada e que os outros voltassem ao trabalho, pois a casa precisaria abrir em breve.

Catarina e Urt quase argumentaram contra abrir a boate naquela noite, mas o Ventrue foi categórico que estavam em situação financeira delicada e que não poderiam fechar a cada problema que tivessem, e eles viam, sempre. Cavalcante viu uma oportunidade de transformar aquele incidente em possível chamariz. Catarina assentiu e começou a planejar uma mudança na campanha de marketing da Bloodlust. Eli Urt deixou que eles fizessem o seu trabalho.

A noite findou-se e todos retornaram a seus quartos para seu sono defunto.

No quarto de Urt, Indiana estava inquieto em sua caixa.

A dor do despertar nunca havia sido tão agoniante. Não estava certo. Levantar para a noite era como reviver com o desconforto da impossibilidade de não ter nada vivo, com a Fome crescendo e forçando-os a serem cada vez menos humanos, mas aquele despertar era diferente. Ele doía como agulhas enfiadas nos olhos. Ele não era revigorante, e havia sido muito pior do que quando o Punhal de Mictlantecuhtli perturbou e consumiu suas energias.

Eles haviam despertado ainda durante o dia.

Pareto estava ao lado de Urt, aterrorizado, angustiado, era um homem à beira de um ataque de nervos e que mesmo assim ainda tentava, quase sem forças, salvar seus senhores.

Desnorteado por levantar em hora imprópria, Eli sequer conseguiu balbuciar argumentos e impropérios contra o carniçal, apenas foi sendo levado e ajudou a despertar os outros.

Catarina e José ficaram igualmente inadequados à condição. Com a letargia do corpo e da mente, finalmente conseguiram se organizar e buscaram entender a razão de tamanha afronta à condição vampírica.

Cavalcante, entre o horror do que havia testemunhado e o pavor de desrespeitar seus senhores, disse que tudo o que fez foi pelo bem da coterie, e que havia pessoas sentadas à mesa de reuniões.

Os vampiros imaginaram que fossem outros iguais a eles, mas logo deixaram a ideia de lado, pois ainda o sol não havia partido, e então viram, com assombro, a razão de seu despertar prematuro.

À bela mesa de mármore, três pessoas estavam sentadas.

Todos os três estavam completamente imóveis, nus, com o corpo coberto de marcas e feridas.

Eram três cadáveres. 

Um dos cadáveres era Davi Andrade, assassinado por Cavalcante e Luiz Pareto, que havia atormentado e estuprado a prima de José.

O segundo cadáver era Gilmar Mesquita, ex advogado e homem de confiança de Cavalcante, assassinado por Yussef Ahmad, o Banu Haqim, que havia entregado a cabeça do traidor a seu antigo mestre.

O terceiro, e mais estranho, cadáver era da prostituta que Catarina havia levado para servir de alimento a Ingrid, quando a belicosa Gangrel estava sob custódia da Vehme. O mais estranho, como dito, foi que o corpo da jovem havia sido destroçado pelo monstro Ingrid, e ali ele estava, quase reconstruído, com pedaços unidos por uma cirurgia profana, vinda talvez diretamente do inferno.

Não havia como explicar aquela aparição, assim como nunca explicaram os espectros ou mesmo a crucificação de Torrado. Era além da compreensão de todos no ambiente.

Luiz Pareto, após acordar seus mestres, libertou seus sentidos e entrou em uma espiral de pavor. Ele tinha pela consciência de que aquelas aparições surgiram para atormentá-lo, pois ele ajudou a assassinar Davi, ele desapareceu e exterminou a cabeça de Gilmar, ele havia limpado e removido os restos da prostituta, assim como inúmeros outros. Ele era o "zelador" que fazia a limpeza para os monstros.

Catarina Oliveira tentou acalmá-lo. Fez com que ele saísse do ambiente e que buscasse um mínimo de paz longe dali.

Enquanto isso Eli Urt começou a examinar os cadáveres.

Concentrou-se na situação mais desagradável, da moça. Ela sequer deveria estar com todos os pedaços, uma vez que Ingrid até chegou a ingerir alguma coisa dela. Talvez sendo vomitada posteriormente.

Enquanto Urt verificava minunciosamente, e sem explicação aparente, o corpo em busca de saber como havia sido restaurado, como havia sido levado para dentro do Refúgio, com poderiam estar ali, os outros observavam atentamente o trabalho do médico e mago, que movia, tocava e manipulava o corpo em decomposição avançada.

Foi aí que ouviram um som, e com o susto, perceberam que os cadáveres dos outros dois haviam se movimentado, um ou dois centímetros, mas haviam.

Quando jogaram sua atenção para os outros cadáveres, um novo som de movimento surgiu e então tomaram consciência que a prostituta havia se movido para a posição inicial.

Os cadáveres se movimentavam quando ninguém os observava.

Catarina então, mais uma vez, concentrou seu Vitae e buscou a percepção com o invisível e viu...

Ali, ao redor deles, espectros sem rosto rondavam a mesa.

Cavalcante buscou as imagens do exterior da boate, mas lá nada encontrou.

Mesmo com toda a estranheza, Urt continuou seu trabalho e viu que dentro das bocas de cada um dos defuntos, havia algo, como uma pequena e infinitamente escura pedra preta.

Com a mente lenta pelo horário do trabalho, com a capacidade cognitiva limitada, mesmo assim, ele foi até seu quarto, buscou um livro onde encontrou o que procurava. Se tudo o que leu fosse verdade, cada uma daquelas pedras era um fragmento da alma do morto. Urt lembrou-se de imediato da fração que havia sido extraída do corpo da escrava de sangue nos porões do prostíbulo do "Pêssego".

Precisavam fazer algo, fosse através da fé do pastor Israel, com o conhecimento necromântico de Bruno Giovanni, com as magias e ritualísticas de Margot ou até com outros, mais infames.

Os corpos estavam lá. Fantasmas e aparições permeavam o lugar. Era como se as portas do Abismo tivessem sido abertas e os mortos voltassem ao mundo, para assombrar e consumir a vida, mesmo dos monstros noturnos.


Personagens Jogadores:

Renato - José Teixeira Cavalcante [Ventrue]
Neimar - Eli Urt [Tremere]
Osny - Catarina Oliveira [Toreador]
Marquinhos – Vinícius “Torrado” Martins [Nosferatu]
Cris – Pastor Israel [Lasombra] 

NPCs:
Margot - Tremere - Casa Carna;
Isabel Vilasques Lacerda - Toreador;
Cipriano - Nosferatu;
Ester Maria Lamartine - faxineira da Bloodlust;
Fernando Caxias - auxiliar da Bloodlust;
Otávio "o Péssego" - traficante de gente;
Davi Andrade - assessor parlamentar;
Sheilla / Rose - prostituta;
Gilmar Mesquita - advogado;
Indiana - homúnculo;
Luiz Pareto - carniçal.

Sistema:
Vampiro: a máscara 5ª edição

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